sexta-feira, 17 de abril de 2009

justine
está nascendo mais um espetáculo que se tornará um marco na trajetória da cia. de teatro satyros: "justine". a montagem fecha a trilogia libertina, composta por adaptações para o palco de romances fundamentais do marquês de sade. "justine" foi antecedida por "filosofia na alcova" e "cento e vinte dias de sodoma". com a nova encenação, que entra em cartaz na próxima terça, dia 21 de abril, a trilogia libertina estará completa em cartaz, em dias alternados, no espaço dos satyros 2. quero uma hora dessas escrever sobre as três peças. mas agora vou registrar apenas as primeiras impressões caóticas de "justine", que vi ontem, em ensaio aberto. mais uma vez sade, via satyros, nos desfere um tremendo soco no estômago. "os infortúnios da virtude" é o subtítulo de "justine" e explica tudo que acontece. sade proclama, feroz, que o crime compensa, a virtude não. ao traçar a trajetória das irmãs justine e juliette, a primeira uma alma cândida que aspira ao bem, a segunda uma libertina que não se detém ante os maiores crimes, sade narra uma história de horrores. justine será abusada, estuprada, escorraçada, humilhada, acusada de roubos e mortes que não cometeu. e mesmo assim não perde a aspiração ao bem, desejo que nunca se consuma. ou melhor, quando se consuma, quando ao fim de uma trajetória cruciante, ela se reencontra com a irmã, juliette, que, rica e poderosa, a acolhe em seu castelo e lhe oferece abrigo, acaba sofrendo uma morte tremenda pela violência da natureza, que, indiferente ao vício e à virtude extingue a vida em justine com um raio, durante uma tempestade. esse romance, um dos mais famosos do marquês de sade, resultou numa montagem potente, obra de rodolfo garcía vázquez e da equipe que criou "justine" com ele. são imagens aterradoras e fascinantes que tomam o palco durante 95 minutos. uma história cheia de atritos, desagradável, terrível, é contada de forma tão densa, tão concentrada, que invade o espectador com seu peso, sua escura descrença. a mensagem de "justine" não é otimista, não é jubilosa. é sombria, e nos relata uma aventura humana sem grandeza. como se pode dizer que sade elogia o crime quando na verdade mostra todo o seu horror? o espetáculo é daqueles a que é preciso assistir mais de uma vez. tem uma abundância alucinante de sugestões visuais e sonoras que deve ser bem vista para ser entendida. o elenco, encabeçado por andressa cabral, como justine, mergulha de cabeça na aventura de viver esse sombrio (e quando ele não é sombrio?) sade. as atuações vão crescer, amadurecer. mas na maioria já estão ancoradas em patamares bem consistentes. ainda há ajustes de figurino e de técnica a serem feitos. mas o espetáculo está vivo, intenso, desafiador. diz para nós, como a esfinge, "decifra-me ou te devoro". desde ontem estou sendo perseguido pelas cenas dessa "justine" que tem a marca de rodolfo, como encenador. é diferente de tudo que ele já faz e, ao mesmo tempo, ninguém, senão ele, poderia criar essa montagem. em cena há como que uma reelaboração de toda a trajetória dos satyros, mas de um modo que não fica restrito na nostalgia, na contemplação do passado. ao contrário, aponta impetuosamente para o futuro. vou escrever mais a respeito. por enquanto só queria dar conta aqui do profundo e vital incômodo em que "justine" me mergulhou. ah, e o que é aquela trilha sonora? caramba! é muito boa. agora chega, depois conto mais.

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